Shireen Mahdi

Economista principal do Banco Mundial para o Brasil e doutora em economia pela Universidade de Manchester (Reino Unido)

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Sobre a taxação de bens (e males!) de consumo

Por que os combustíveis fósseis deveriam estar sujeitos a impostos mais altos

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A compra e o consumo de bens e serviços é uma atividade econômica básica da sociedade. Mas, para os economistas, tão importante quanto o consumo de bens é também o consumo de "males" —produtos ou serviços que trazem prejuízos tanto aos consumidores quanto à sociedade.

A lógica é clara: ao taxar o consumo, os preços sobem e o consumo cai. Portanto, tributar "males" é estrategicamente mais eficaz do que tributar bens. Esse entendimento é fácil no caso dos chamados "produtos de pecado", como tabaco e álcool, que são pesadamente taxados para desencorajar seu uso e financiar os custos sociais decorrentes de seu consumo –embora ainda haja debates acerca dos pormenores dessa tributação.

Cigarro de tabaco - Pexels

Menos óbvio, porém igualmente válida, é a aplicação do mesmo princípio aos combustíveis fósseis. O uso desses combustíveis acarreta impactos negativos mensuráveis para a sociedade, como a poluição do ar urbano –em grande parte resultante da queima de combustíveis em veículos–, que só fica atrás do tabagismo como causa de doenças pulmonares, contribuindo para cerca de 50 mil mortes anuais. No contexto climático, as emissões de gases de efeito estufa provenientes dos transportes, que representam aproximadamente 10% do total brasileiro (excluindo-se o desmatamento), têm aumentado mesmo com a maior eficiência dos veículos.

Embora o transporte de passageiros e cargas seja vital para a economia de qualquer nação, isso não justifica a preferência tributária por uma tecnologia prejudicial à sociedade. O Brasil dispõe de boas alternativas ao uso excessivo de combustíveis fósseis há tempos: desde o transporte público até o etanol de baixa emissão. Com o avanço da eletromobilidade, essas opções se expandiram ainda mais.

Uma tributação apropriada dos combustíveis deve levar em conta os danos que causam, o que implica um imposto especial de consumo por litro e tipo de combustível. O Imposto Seletivo, instituído pela reforma tributária (EC 132), foi criado com esse propósito, visando taxar bens e serviços que prejudicam a saúde ou o meio ambiente (Constituição Federal, Art. 153, inciso VIII). Uma recente estimativa do Banco Mundial sobre o custo social do consumo de combustíveis sugere um imposto corretivo de aproximadamente R$ 0,9 por litro de gasolina e R$ 2,15 por litro de diesel. A diferença se deve ao impacto significativamente maior do diesel na poluição do ar.

É muito importante que, ao fazerem suas escolhas de consumo, os consumidores se deparem com preços que reflitam o custo social do consumo de combustíveis. Assim, além do imposto corretivo, os combustíveis também devem estar sujeitos à tributação geral do consumo, como o novo "IVA dual" (IBS e CBS), aplicado sobre o preço final, incluindo o imposto corretivo.

Fumaça emerge das chaminés de uma indústria na cidade de Anfeh, perto de Tripoli, no Líbano

Curiosamente, a proposta atual de regulamentação do novo Imposto Seletivo (conforme a PLP 68/2024) não inclui os combustíveis na lista dos bens sujeitos ao imposto. Embora surpreendente, isso se explica pelo tratamento dado aos combustíveis no IVA (IBS e CBS), onde, em vez de uma alíquota ad valorem com créditos e débitos ao longo da cadeia produtiva, incide-se um único imposto com valor fixo por litro.

Assim, o IBS/CBS sobre combustíveis já possui características de um imposto seletivo. Há vantagens e desvantagens nessa abordagem, incluindo questões de administração tributária que provavelmente influenciaram essa decisão, mas que não são o foco deste artigo.

O que se deve reconhecer é que a lógica econômica de taxar combustíveis com uma taxa seletiva com fim corretivo, considerando seu impacto negativo, somada à taxa geral do imposto sobre o consumo para equipará-los a outros bens, ainda pode ser implementada nessa estrutura. A tributação especial dos combustíveis poderia ser ajustada para incorporar tanto o imposto corretivo quanto as alíquotas do IBS/CBS em valores específicos. Alternativamente, o atual imposto específico sobre combustíveis (CIDE) poderia assumir a função de imposto corretivo, deixando a equalização do IVA para a taxa específica no regime especial do IBS/CBS.

Independentemente do método, impostos mais altos sobre combustíveis gerariam receitas adicionais que, seguindo o princípio da neutralidade fiscal da reforma tributária atual, poderiam ser usadas para diminuir a carga tributária geral do consumo, beneficiando os consumidores, especialmente as famílias de baixa renda.

Na prática, uma política tributária eficaz requer a conversão de princípios econômicos sólidos em legislação administrativamente viável e socialmente aceitável. A estrutura tributária proposta para os combustíveis oferece a possibilidade de combinar tributação economicamente eficiente com procedimentos administrativos eficazes. O desafio que persiste é convencer a sociedade dos benefícios de usar a tributação para mitigar os danos sociais causados pelos combustíveis fósseis.

Esta coluna foi escrita em colaboração com Cornelius Fleischhaker, economista sênior do Banco Mundial.

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